14 de dezembro de 2013

O Fim da Sexta-Feira 13




Na sexta-feira a noite é acentuada a sensação de liberdade. Conhecíamos aquele significado. Eu e uns amigos desfrutávamos descontraídos a pé, pra cima e pra baixo, da magia das companhias orquestradas por conversas hilárias. 
Eu nunca percebia quando passava da meia noite. Inconscientemente de rolê nas primeiras horas de sábado, eu ainda considerava como sexta. Eu, na verdade, a prolongava até chegar em casa. O limite da sexta para o sábado era sempre compreendido por ocasião do entusiasmo, já em casa, ao me deitar para repousar, pouco antes de adormecer com a cabeça no travesseiro.
Em noites assim, especiais, me desvencilhava de grupos alternadamente. Embaixo de um refletor de luz danificado, que emitia um som semelhante a de uma colmeia de abelhas, é que fui me dar conta de que estava retornando para o lar. 
Suaves contatos de borracha no asfalto transmitiam o espírito: Eram meus passos. O itinerário é rua Santa Cruz. O nome me agradava, como se me inspirasse misericórdia. Do outro lado da pista, dois rapazes, reconheci um deles - um era amigo de um amigo. Os dois me fitaram, e então eu gesticulei. De polegar no ar, cumprimentei-os - E ai?
Os dois se inclinaram para trás atônitos. Com isso eu quase me assustei também. Aquele que pra mim era um desconhecido, se infiltrou nas sombras do beco, cambaleando como se mancasse, de costas, de lado e sumiu. Continuei andando e raciocinando. Será que eles entenderam mal? Pela curta distância e luz privilegiada, não poderiam pensar que eu sacava e apontava uma pistola em vossa direção. Não poderiam. De repente, um baque surdo em um escadão do meu lado da pista. Girei lentamente a cabeça, avistei uma aglomeração mas perdi o ângulo porque continuei caminhando. Será uma Briga? Alguém caiu? Eu não queria mais respostas. Automaticamente relacionei aquilo com uma explicação a reação dos dois rapazes. E já que não era comigo, procurei não me envolver, e qualquer curiosidade inútil, eu deixaria para suprir alguns dias depois. Notícias assim eram difundidas como uma epidemia pelos moradores.
O mistério quebrou o clima, apertei o passo, quebrei para a direita, como de costume. Subi o morro no limite de Diadema com São Bernardo, bairro Paulicéia.
A minha direita saindo de uma viela, um sujeito estranho, naipe de usuário pesado. Se dirigia no mesmo rumo que eu, só que do outro lado da rua. Na medida em que a ladeira foi se acentuando, o nosso ritmo foi diminuindo. Nesse momento, percebi que eu estava apertado, busquei um ponto isolado para me aliviar, imaginando a minha bexiga estourar. Visualizei ela de cor amarela - dei um riso interno -, como essas penduradas em ambientes de festas.
Teria atravessado a rua para urinar, atrás de um ônibus, se não fosse por esse rapaz que não me inspirava confiança, ao contrário, me parecia um desses ladrõezinhos de pequenos pertences, que costumam converter, num trapaceiro passe de mágica, qualquer desses objetos em entorpecentes, rumo a uma lividez cadavérica. Com isso, me preveni e adiei. - Mas pra frente, pensei.
Nessa hora, escutei barulhos de pneus cortando o asfalto. Pensei, sem saber o porquê, que vinham na seca atrás de mim. Não olhei para trás, queria misticamente, por fim na sexta-feira. Buscava descansar.
O veículo se aproximava, de motor macio, subindo o morro, logo atrás de mim. Encostaram do meu lado, antes de fitá-los de soslaio, pensei em algo ainda pior que alguns policiais corruptos de Diadema. Mas, pra minha surpresa, escutei:
- Mãos pra cima, encosta aí - disse alguém.
Virei, olhei e os reconheci. Obedeci os PMs. Baixo nível de preocupação. Do outro lado da rua, o estranho de mãos pro ar, agora, de semblante preocupado, escutou a segunda ordem: 
- Você, junto do outro ali - apontando pra mim, o portador da bôina cinza em vestes de Kevlar, com a mão no cabo da arma acomodada no coldre, em sua cintura.
Dali por diante, de costas para o procedimento padrão: Revista, questionário idiota e olhares desconfiados. 
Na retaguarda, um outro deles se aproximou de mim.
- Já te revistaram?
- Hoje? - fui ácido, sem temer algo.
- Agora. 
- Sim, senhor - respondi intrigado. Afinal, o que ele fazia enquanto o outro me revistava? Pensei.
Depois inquiriu ao estranho ao meu lado: 
- E essa tatuagem?
Olhei para onde o policial apontava: Na pantorrilha direita do abordado. Não pude entender o desenho da figura. pareciam dois revólveres cruzados, calibre 38, tinta preta, contornados sem pintura.
- É um palhaço senhor - respondeu ele.
Desviei o olhar meio cabreiro. Pois, não era nada parecido com que eu havia visto. Em seguida apresentamos o R.G. para averiguação e aguardamos.
Sem nenhum problema à constar nos computadores, fomos rapidamente liberados, de volta ao percurso, ao nos distanciarmos uns 15 metros do ponto do enquadro o sujeito virou para a rua que cruzava à direita, direção leste, saindo do ângulo dos policiais. Nesse momento, vinha um carro em sentido contrário - um Volkswagen Gol -, cheio de indivíduos, e o sujeito que acabara de ser revistado junto a mim, gesticulou para o motorista: Esfregando os dedos na blusa com a mão semi-fechada, anunciando em linguagem corporal de rua, que a área estava suja. Já o motorista não foi esperto à altura e repetiu a mensagem em voz alta aos companheiros no interior do veículo:
- O "baguio môio" - basicamente o mesmo que captou do estranho (que para ele parecia um conhecido).
De cabeça erguida, subindo a ladeira em direção norte, para o meu destino, não precisei olhar para trás para enxergar a cena. Pelos ruídos, os policiais correram para dentro da Chevrolet Blazer, portas se bateram, mas uma derrapada irritante, e cavalo de pau na fuga atrás dos elementos do Gol. Com um frio na espinha, apressado por maus pressentimentos, consultei o relógio no pulso: 23 horas, 37 minutos e 10 segundos... O que? Percebi que os segundos estavam parados. - Droga meu relógio parou - resmunguei na surdina. Tinha uma noção básica do tempo que levaria para chegar em casa. Algo em torno de 25 minutos, andando rápido. Não pude me conter, de relance, por acaso, quando olhei para os ponteiros, havia também consultado o calendário: 13 de março de 2010. Ali, naquele momento, só queria encostar a cabeça no travesseiro, acabar com aquele clima estranho. Por temer o desfecho natural de uma sexta feira 13, considerei que já fosse sábado.

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