10 de junho de 2015

Raio X da Obra: A Menina Que Roubava Livros




Para falar bem de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS temos, como ponto inicial importante, a narradora do conto (feminina, como diz o autor), ela é dividida em dois tipos de interação, puxando a nossa atenção com palavras sinceras sobre a humanidade enquanto recolhe as almas destes, que são como seus próprios filhos. E é controverso sim, se considerarmos que é uma personagem, acima de tudo, romântica, por que executa seu trabalho de natureza execrável, com uma ponta de compaixão. Esse é o papel de MORTE, aqui tão poderosa quanto a vida, em especial a de Liesel Meminger, a qual ela observa fielmente, o personagem central de quem ela se encarrega de acompanhar, mesmo estando deveras ocupada. 
Liesel é uma garotinha, criada  como o retrato da Alemanha pré-adolescente, sugada pelo descaso, frente a uma época devastadora, as vésperas da 2º guerra mundial. Portanto, o pano de fundo do romance é reciclado, ambientando um campo de reflexão histórico, fundido e paralelo ao conto. Uma ideia magnífica, eu diria.
Entre as nuvens de atmosfera gelada, a testemunha mergulha entre a neve espessa para invadir o episódio inicial de Liesel, que carrega o artifício dramático da história: um carro se locomove para um abrigo, transição surpresa, longe dos planos inocentes dela, sua mãe a acompanha aos aposentos de um casal de condição bastante humilde e de relação estranhamente engraçada - Hans e Rosa Hubermann. Hans será encarregado de emprestar uma figura paterna a recém chegada: um homem de humor diferenciado que ganha a vida como "pintor de Judeus", enquanto a materna substituta, fará esforços para aturar o desânimo da menina. A paciência não é seu forte: Rosa é uma doméstica rabugenta e carrasca como a sombra oposta da personalidade do marido. Desde sempre é ela quem toma as rédeas no lar, impera de modo hostil e sem rodeios suas práticas autoritárias. Hans parece treinado para ser indiferente a esses modos grosseiros e Liesel, atenciosamente chamada por ela de porca (saumensch), segue resiliente um modo de aprender como tal.
O automóvel estacionou carregado de dor, Liesel veste luto pelo jovem irmão, horas antes ela o perdeu para Morte e também teve que se despedir da mãe, provavelmente uma comunista ameaçada em território destinado aos Nazistas, um grande mistério. Hans surge para motiva-la a sair do veículo, hoje ela lembra um boneco de neve, de astral congelado, porém, um lado carismático e uma graça a ser esculpida, seu novo pai a perscrutou no interior do carro, a neve parecia ter varado para dentro, desde o primeiro instante ele se identificou com ela, como um movimento natural de seu coração sorriu e, sem pré-julgamentos, a convidou para conhecer a rua Himmel, enfrentar a vida, como um sinal divino e inconsciente de repulsa aos domínios de sua observadora (a morte), ela aceita.

    O Vilão e o Tempo

Na temida época em que as coisas escolheram acontecer, na Alemanha de 1939, o cenário é pintado em tinta de sangue, Morte reina no caos, onde o estúpido impera; Adolf Hittler, idiota e culto, sentado em um trono, exige que os seus soldados ergam uma bandeira vermelha com suástica. Logo o mundo saberá, uma espécie de chantagem política e pretextos ignorantes para um novo tipo de "vida", a começar pelo domínio daquele continente. O tempo dirá os motivos mesquinhos de sua intenção em separar as raças, em seu pomposo púlpito, seus discursos incessantes, seus trejeitos de "palhaço amargo" e inconsequente. Aos poucos, essa Alemanha que ele invadiu, será dissociada e alienada por valores incompreensíveis. Ou você é Alemão ou indigente. Em breve será perseguido, roubado, pressionado em seu humilde cômodo não-ariano, forçado a largar o emprego, suas vestes dignas, espatifado pelo descaso, na fome e desamor, até ser escoltado aos vagões de destino sombrio. Mas quem foi Hittler? Só um Austríaco mimado? Um demônio trajado por vestes nobres? Um Soldado frustrado pela capitulação da Alemanha na 1º guerra mundial? Definam como quiserem, provavelmente a melhor resposta viria de um aluno genial, inquieto, no fundo de uma classe de escola estadual contemporânea, que diria: "Um 'patriota' de alma amputada, um militar deformado por uma ideologia reforçada na fase de aulas frequentadas em cursos de "pensamento nacional" na Reichswehr.
Historiadores comprovam a posição assumida por esse ditadorzinho que reiniciou a guerra de 1914 na intenção de destruir os acordos do tratado de Versalhes (1919) procurando sempre um culpado entre os soldados alemães derrotados, afirmando a ideia de que havia uma colaboração inimiga entre os soldados, ou seja, homens infiltrados no corpo militar alemão. Segundo ele a Alemanha após a 1º guerra estaria com a economia afetada por uma escória invasora, e desde então, responsabilizou, entre outros, os Judeus.

     Uma Estrela No Porão
    
Liesel ia saber sobre a questão dos Judeus, em sua porta, Max Vunderburgh chegava na surdina, como que escondendo uma estrela de Davi. Ele vinha a procura de abrigo, clamava por Hans, cobrando amigavelmente um favor prometido a sua mãe. Necessitava de moradia e silêncio, e mais tarde, pelas condições, abafar seu paradeiro no porão deles. Com isso, o "pai" de Liesel precisou fazer uma revelação e uma proposta a garotinha, dessa forma ela descobriu os motivos pelos quais qualquer mestiço necessitava de apoio no território e aprendeu a manter uma promessa: Ninguém poderia saber sobre aquele ser especial, asmático por ajuda, recluso, no escuro piedoso dos dias escondido naquele lar. E Liesel honrou sua palavra, estabeleceu um propósito, Max podia contar com ela, esperava ansioso sua chegada da escola. Liesel, depois de degustar sopa, uma das especialidades de Rosa, se apossava de um livro e se dirigia ao subsolo da casa, sentia um dever para com o amigo, chegava sempre para esquentar aquele esconderijo com sua leitura, logo o cômodo foi transformado em paredes coloridas: Uma lousa para suas aulas de história. Hans integrava a turma em suas folgas, aparecia com seu jeito inconfundível, com um cigarro entre os dedos e um acordeão pronto para ser tocado, esquecia seus hobby's e contribuía com todo o divertimento. 

     A Face do Verdadeiro Alemão

Percebe-se no decorrer dos episódios, que uma gama dos personagens mais importantes simbolizam uma compreensão perfeita da mentalidade do povo acima das ambições do governo: Há uma fina e declarada convivência entre judeus e alemães, um laço independente entre eles até a invasão Nazista.

     A Morte e Sua Poesia

A narradora perdura seguindo rastros sem vida, é claro que os conflitos se iniciariam de uma maneira mascarada, o governo tinha um papel de interesses próprios. No fim da trilha cada grupo formando um emaranhado de almas impotentes, uma realidade aterradora. MORTE, a operária de lábia e sentimento, recolhe as vítimas que se multiplicam, é verdade que tinha muito trabalho, mas isso não abreviava seu dom paralelo para a eloquência, é impressionante a categoria com que é exposto os relatos de seu testemunho: Um céu que reflete mágoa na terra, o sangue como chocolate amargo, uma agonizante e inconformada declaração sobre a periculosidade do homem, embrulhada ao disfarce de nobreza. Os sons de bombas e metralhadoras trazendo a destruição da pólvora. Em seus abrigos, os civis sobreviviam esmagados por dúvidas, ameaçados, almejando o que sobrou da razão, reféns no subsolo da maldade, ecoando uma ambição alheia injustificada, um egoísmo fardado, que buscava méritos por suas condecorações e medalhas que manipulariam o verdadeiro resultado. No olho do furacão impiedoso, a sociedade, refém e estampada em uma rotina sacralizada.

     Liesel Furta, Logo Existe!
  
Enquanto as cortinas de fumaça sacudiam a terra, Liesel terminava de ler seu 1º livro, furtado no enterro de seu irmão. Na verdade O MANUAL DO COVEIRO escapuliu do bolso do coveiro, ela torceu para que ele não notasse e se apossou dele. Com a conclusão deste, iniciou-se um período de aventuras, isso veio como uma válvula de escape, um alívio para um período de "febre das cabanas", ela se juntou ao recém amigo: Rudy Steiner, um amigo escolar, fã de Jesse Owens, tipo "atleta amador", para ter êxito nos furtos. Os dias se estenderam entre seus planos mais secretos.
Liesel e Rudy precisavam de novas vítimas, nesse período, uma crise se instalou, o governo operava sua incompetência refletida na convivência do povo, os judeus foram aos poucos desclassificados em uma alfândega e as demais pessoas tinham de assumir um lado, plenamente chantageados. A SS queria um bom número de alistados e não poupava nem  as crianças. Hans, por ter ligação com Judeus, teve dificuldades para se alistar e continuar com seu emprego. Rosa foi despedida pela mulher do prefeito, de quem cobrava para cuidar das roupas, Liesel aproveitou o caso, que considerou um insulto, e decidiu bolar um plano para invadir a casa dela na surdina. A biblioteca dela era negócio para seu vício adolescente, e Rudy, sonhando com um beijo de gratificação, no compasso da comparsa, ofereceu todo respaldo.

     Não Se Rouba Uma Grande Amiga

Na casa do prefeito, percebemos que todos os atos de Liesel deixavam marcas, seus passos no interior da casa eram desastrados e seus deslizes, como deixar a luz do cômodo acesa, claro, deixavam pistas. Essa tal ex-patroa de Rosa, na realidade, tinha um bom coração, fica nítido que a demissão de Rosa fora um ato impensado e como uma reação a tudo, ela foi perdoando as invasões e furtos de Liesel, que mais tarde, revelou-se que ela presenciou tudo nas escuras desde o início. Dessa forma, ela agia como quem pagava uma indenização, remunerava o seu arrependimento fazendo vista grossa as "cobranças" de Liesel. Rudy também percebia isso. Em um dado momento, essa mulher se revelou uma grande amiga para Liesel.

      Os Danos Da Segunda Guerra 

Amanheceu no porão da casa dos Hubermann, uma luz que nunca chegava no porão revelou o desaparecimento de Max, que faria isso por motivos óbvios, não prejudicar ninguém com sua presença. Os Judeus eram sempre perseguidos em lares suspeitos, os acontecimentos que ameaçavam à tempo começaram a surgir. Ninguém escaparia das valas e trincheiras. Por seu notável envolvimento com os perseguidos, Hans, com muito esforço, conseguiu um cargo desprezível na SS, Rudy foi submetido a treinamento de jovens e Liesel se abrigou com Rosa e alguns vizinhos em um subsolo de emoções críticas (refúgio antinuclear). Para sobreviver ao caos das bombas todos se reuniam em silêncio para escutar Liesel ler suas histórias...

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