12 de outubro de 2013

Bolhas de Sabão




Diante da tela do computador, na casa de um amigo - ausente -, sua filha pequena me convidou pra brincar.
- Ei me ensina a fazer bolhas?- me perguntou sorrindo.
Trazia na mão um kit projetado: Um copinho com uma "fórmula-mágica" e uma espécie de canudo envolvido em um anel na ponta.
- É fácil, me empresta aqui - respondi.
Soprei suavemente enquanto reconhecia o que fazia. As bolhas flutuavam ostentando a beleza das cores.
Ela sorriu novamente, e com ímpeto inocente, me tomou o seu brinquedo. 
- Olha, deixa eu tentar?
Por vários modos ela tentou, mas sem sucesso, frustrou-se. Eu, calmamente, expliquei que era preciso se soprar como quando buscamos aliviar a dor de um "dodói".
Ela seguiu num costume infantil com seu hábito insistente de tentar aprender, por minutos, e se exaustou, me contagiou e eu voltei a atenção para o conteúdo da internet.
- Continue tentando... suavemente - continuei.
De olho na tela do CPU, procurava no Google algum resultado sobre a filmografia de Quentin Tarantino. Logo, fui surpreendido por uma bolha que voava em frente ao monitor e, na sequência, assaltado por lembranças bem distantes:
De volta para o passado, em uma época de "dejavús" intensos, no apogeu da extrema curiosidade, habitado na infância, revivi sobre a laje de uma antiga moradia, bastante perplexo: Abaixo de uma nuvem de bolhas, avistei um tipo de ilusionista, rodeado por várias crianças. Um ser "sem face", roupas humildes, munido de material amador, porém, um desempenho profissional na produção de bolhas de sabão. Eram dezenas por segundo e o vento tratava de espalhá-las pela viela abaixo. As crianças o fitavam boquiabertas. O grupo aumentava a cada minuto. Todas elas abandonavam o que faziam, deixando para trás a velha pelota, as bolinhas de gude, a peteca, e o jogo de taco. Logo, algumas começaram a perseguir as bolhas maiores e estourar com as mãos, numa leve disputa. 
Minutos depois, o dono do show se despediu, com um ar meio altivo, subiu a viela, imediatamente senti saudade da brincadeira.
Voltei correndo para o andar térreo de casa , desci a escada giratória para o quintal, nos fundos. Fui logo contar o que acabara de ver para a minha mãe, que esfregava algumas roupas, cantarolante, e me peguei bastante emocionado, ao mesmo tempo em que puxava insistentemente a barra da saia dela, que parecia gostar muito daquele tanque.
- Mãe, eu vi um homem fazer bolhas, como na televisão, sabe fazer? Me ensina? Vai?- disparei ávido.
- Tá bom vá até a cozinha e me traga um copo.
Quando retornei correndo, ela já havia improvisado um canudo, quebrando um pedaço de antena velha. Depois completou o kit pegando do próprio balde de roupas a até então desconhecida fórmula: Água com sabão. 
Ela se postou na minha frente.
- Observe - soprou e fez várias bolhas. Quase ri. Ao observá-la, pensei que fosse fácil, ao tentar, além de soprar forte, de início, virei a ponta do canudo pra cima e virei o líquido pra dentro da boca, sem que quisesse: Engoli sabão. Fiz uma careta. 
Ela riu: 
- Molhe o canudo e, ao encostar na boca, não erga a ponta. Sopre de leve. 
Depois de alguns erros cômicos, com paciência, aprendi a dar vida à coloridas bolhas, e me gabava por isso. Com a prática, enchi o quintal de bolhas e gritei pela atenção da minha mãe que já tinha se voltado aos seus afazeres. Ela se virou para mim novamente, com um pregador entre os dentes e me cumprimentou com um gesto facial familiar.
Aquele episódio sumiu de repente, explodindo na lente frágil daquela bolha, de frente da tela do computador. Quando me virei à procura da menininha novamente, percebi que estava irritada, talvez porque não lhe dei a atenção devida, não pude escutá-la, estava bem distraído. 
- O que foi? - busquei a verdade.
- Faz outra bolha, não consigo mais - ela me disse alterada.
Tive de acalmá-la, e expliquei mais uma vez a teoria da brincadeira para aquela que me imitava inconscientemente quando criança.
Minutos depois, buscando matérias na internet, cercado por inúmeras bolhas - que a menininha havia feito -, me distraí novamente: Estava à procura, juntava fragmentos, peças para um quebra-cabeça, perdido no campo da memória, em busca da identidade do senhor "sem-face". É do que realmente gostaria de me lembrar, não do gosto amargo no paladar, manifestado desde o primeiro momento em que o espetáculo da minha "cena cômica" brilhou.

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