24 de julho de 2013

O Frio de Julho em São Paulo







Os tempos mudaram, antigamente ser herói era, basicamente, carregar uma espada, um escudo e ideais nobres. Hoje, em comparação, o cidadão, que se levanta de seus aposentos e caminha nesse frio cortante de São Paulo até o endereço do trabalho lembra uma espécie de Aquiles, sem mencionar todo tipo de problema político que ele enfrenta. São tempos épicos, esse paulista que tem fama de sobrevivente - na cidade com média de índice de 15 mil moradores de rua e 3 mortes divulgadas nos últimos dias por consequências da baixa temperatura -, sente os  Celsius (em Diadema) gelando a sua alma. Ele pôde ser visto nesta manhã com um volume que o demostrava usar duas calças, touca, luvas, blusas e casacos, essa é sua armadura de batalha. Eu prefiro as luvas, mas elas não são boas dentro de casa. Eu também tentei uma calça mais grossa mas não pude me contentar, tive que vestir um par delas, a primeira envolvida nas meias. Isso me fez lembrar das antigas ceroulas. Quem inventou aquelas cuecas longas estranhas retratadas em desenhos animados? Elas me fazem rir. Ao rir senti o rosto rachado, subi a gola do meu agasalho e fiquei parecendo aquele ninja Sub-Zero do Mortal Kombat - Abaixo de zero na tradução, sugestivo? Engraçado, o frio parece te fazer exagerar nos próprios cuidados, mas isso é só impressão de quem vê, não de quem sente.
Nas páginas sociais o que rola para esquentar são as piadas. O maior alvo são os solteiros. Nesse momento tomei um golpe de consciência:
- Por que não prefiro algum compromisso sério? - perguntou para mim. - E por que só no inverno nos damos conta de que isso incomoda? 
- Porque a libido está acesa como lamparina numa caverna escura - segue o coração, respondendo e dando risada. - Jefferson, você não precisa de uma relação fútil, é preciso que me toquem aqui, aí poderemos mergulhar de ponta cabeça na piscina dos prazeres. Daí, meu pulmão responde - Mas eu não sei nadar, seria muita água para mim e você não sabe boiar naquilo, não tenho o fôlego de uma vida inteira, seria como naufragarmos no seu próprio desejo. 
É uma estação difícil mesmo, gera conflitos internos. Vai dizer que nesse tempo, você mesmo não se assusta com a quantidade que anda comendo? As modelos mantém sua dieta e exercícios nessa estação? Deve ser um tremendo esforço. O meu apetite está como uma lima feroz, rói, corrói, nada é suficiente. Qualquer banquete parece pouco, fartura é escassez, uma quantidade de alimento que beira a intoxicação alimentar ou overdose - risos - se resume em nada. Eu admito que estou de ótimo humor hoje. Talvez municiado por escutar o comentário doido de uma vizinha que disse "vi o sol ainda pouco" - na boa, o céu ta petrificado de cinza - ou por que me mantenho aqui, independentemente aquecido. É bom lembrar que quando o frio aperta por aqui eu não precise pedir abrigo para nenhum "Tio Scrooge"- o personagem rico, tio do Pica-Pau. Não, isso não é para mim mesmo, eu nunca soube adoçar o próprio chá, avalie o dos outros. Nossa humilde cabana, se quente, traz o mesmo conforto dos palácios. Na antiga, uma fogueira era sempre bem vinda, elas eram acendidas na calçada e enquanto ela consumia um descarte nosso qualquer estávamos prontos para uma convivência familiar, mesmo entre pessoas diferentes. O conviva chato, se cooperasse com humildade, podia se aquecer ali no momento, podíamos socializar com quem quer que seja, em torno de toda aquela fumaça de fraternidade. 

 *** Uma parábola ***
 Uma fogueira de inverno acesa nos tempos remotos pode estender até os tempos de hoje o bom humor e a cumplicidade, cabe a cada um de nós mantê-la com lenha.

Não é verdade que o inverno traz mau humor, ele não tem culpa, mas é necessário que nos mantenhamos aquecidos. É como reclamar dos raios de sol, mas já reparou que se pudermos aproveitar uma sombra em um dia ensolarado fica tudo muito bem? No inverno, como em qualquer outra estação a inteligência humana é criativa e busca proventos. Mas para se aquecer mentalmente, é natural que arrisquemos sempre um comentário amistoso, com bom senso sobram piadas, sutis mais originais, e as gargalhadas são ainda mais exageradas. "Quem tem cachecol tem alívio", "Quem tem touca abrigo" e "Meias de lã são cócegas para o tédio da vida". Nesse clima "polar" você não vai querer se esforçar para vestir-se de forma distinta, agasalhos - que esquentam - podem ser basicamente desenhados, por mais elegantes que eles sejam. Por mais que nos dias de hoje aquela dama que está sempre elegante use Cacharrel, não sera uma fração da finura do modelo que ela costuma usar em dias de verão, ou isso só seja uma questão de gosto mesmo, de um olhar mais apurado, talvez eu esteja na minha temporada de maior descuido, ou talvez esteja com o tato prejudicado usando luvas. Elas ditam a moda aqui. A moda do bem estar. E para manter meu humor hoje elas são uma espécie de armadura, e com todo o resto da pilha de lã em que eu estou envolvido aqui me sinto o maioral das arenas, algo comparado ao ego de Aquiles. Ou não sobreviveria nessa São Paulo gélida.

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